25.7.08

PROTOTEXTO # 1

QWERTY
O Qwerty é um ser fugidio como a lembrança, múltiplo como o desejo e esquivo como o abominável homem das neves. Só existe quando alguém, com um poder muito parecido com o de certos feiticeiros, quer que ele exista e tem meios de fazê-lo viver.
É completamente dependente do seu criador: tem cabeça quando lhe pomos cabeça, tem patas quando lhe nomeamos as patas, e é cego se nos esquecemos de mencionar-lhe os olhos. Tem a forma que queremos que tenha e, por isto mesmo, o Qwerty é um ser único. O último que criei tinha os olhos amarelos e emitia raios azuis. Tinha três patas cavalares, dois rabos diáfanos como caudas de cometa e não pisava no chão. Andava sobre um tapete laqueado em vermelho criado pelo jorro de urina que lançava pelas ventas dois metros adiante.
Um Qwerty é gerado pelo pensamento. Um Qwerty jamais outro. No entanto, pode ser duplicado. Uma mutação do Qwerty não necessita de um útero para ser gerado. Pode ser gerado pela luz, permanecer escondido em um local que não que não existe e ser modificado célula por célula, parte do parte, membro por membro enquanto é gerado.
Os ancestrais dos Qwerty são muito antigos e nasciam de uma substância grossa e negra que escorria da ponta de pedaços de bambu ou de penas de certas aves. Depois vieram as penas de aves metálicas. Alguns deles têm mais de três mil anos. Os Qwerty, como os conhecemos hoje, nasceram quando os homens descobriram que além de escravizar seus semelhantes, poderiam escravizar o tempo.
Alguns Qwertys têm vida longa, outros nem chegam a ser completados. Qwertys podem ser perturbadores. Podem nos levar ao sonho ou à loucura. E mesmo os criados por nós, nunca sabemos como realmente são. Um Qwerty pode fazer o milagre de nos mostrar o desconhecido, nos fazer ver o que nunca vimos ou nos tirar uma noite de sono. Na verdade, os Qwerty são seres incompletos. Uns mais outros menos. Quase sempre se completam na imaginação. É por isso que muitas vezes ele ali se aloja e torna-se quase impossível tirá-lo da cabeça.
Criar um Qwerty é uma tarefa difícil, mas não impossível. Basta obstinação, suor, paciência, imaginação e um pouco de fantasia, pois como dito antes, não há um modelo de Qwerty. O Qwerty é único na sua beleza, exclusivo na sua feiúra, pode ser alto ao ponto de tocar nas nuvens ou diminuto como a nossa sabedoria; é possível encontrar Qwerty munidos de asas ou implumes, pode ser bípede ou perneta, o Qwerty é singular.
Deles já se falava nos Upanishads, na epopéia de Gilgamesh, nos hieróglifos egípcios, no Novo e Antigo Testamento, no Livro dos Mórmons, nos livros apócrifos da Bíblia. Deles falaram Homero, Dante, Dante, Shakespeare, Cervantes e Euclides da Cunha. Alguns dizem que as inscrições da pedra do Ingá falam de Qwertys.
Os Qwertys são intangíveis e gostam de se alojar nos sonhos onde são muito poderosos. Tudo lhes pode ser atribuído, até a bondade. A história dos Qwerty é fascinante e terrível. E eles nisto são muito parecidos com os seres humanos.


Geraldo Maciel

2 comentários:

Roberta Crispim disse...

Olá! Visitei o seu blog e gostei muito de seus contos! Ótimos textos!!!

Anônimo disse...

Gostei desse blog que não começa exibindo seu autor e sim fazendo a gente lembrar de um grande, como Cervantes. Não entendo todas as palavras do espanhol, mas mesmo assim dá para sentir a beleza do texto. Parabéns! Diogo