23.2.09

UMA HISTÓRIA DO CONTO – PARTE 10

Guillermo Cabrera Infante

Horacio Quiroga é o primeiro contista qua contista (gosto dessa palavra latina, qua, porque lembra água, aqua, e repetida, qua, qua, parece um chamariz para patos, quá, quá, quá) e um louco perseguido pelo infortúnio. Perdeu o pai num acidente de caça (caçava patos na fronteira do Uruguai com a Argentina: os dois países reivindicam sua paternidade) e seu padrasto se suicidou pouco depois. Perder o pai pode ser uma desgraça, mas perder um padrasto me parece um descuido.
Ambos, tomem nota, por favor, morreram de morte violenta. Poucos anos depois, Quiroga matou seu melhor amigo, no que os juízes qualificaram de acidente. Quiroga se casou, e, não muito depois da lua-de-mel (ele obrigou sua jovem mulher a passá-la na mais densa selva brasileira), quase nem preciso dizê-lo, foi a vez de ela se suicidar. Casado mais uma vez, sua nova mulher, como a oitava de Barba Azul, sobreviveu a ele. Doente de câncer da próstata (até nisso ele foi um pioneiro), Quiroga escolheu o suicídio.
Detive-me na vida de Horacio Quiroga porque parece uma violenta telenovela e é mais interessante que sua ficção - que não é menos violenta. Um de seus livros de contos se chama A Galinha Degolada. No conto que dá título e tom ao volume, dois irmãos gêmeos, ambos idiotas, têm uma linda irmãzinha. Mas os dois irmãos vêem - ou melhor, observam - a madre degolar uma galinha para o jantar. Eles provam que a imitação é a mãe da experiência e cortam o pescoço da irmãzinha.
Li os contos de Quiroga, todos, na adolescência e acreditei em todos. Eu era, como vocês já devem ter deduzido, mentalmente são, mas impressionável. Agora, mesmo que me ameaçassem com a expulsão deste encontro, eu não os leria nem amarrado. Vocês já devem ter deduzido também que Horacio Quiroga era dependente não só de morfina mas da literatura de Poe.
Outro escritor de contos nascido na Argentina, mas com a cabeça bem no lugar, é Adolfo Bioy Casares. Muitas vezes é associado a Jorge Luis Borges só porque eram amigos e colaboravam em empresas narrativas. Alguém os chamou, a ambos, Biorges. Mas Bioy continuou escrevendo depois da morte de Borges e foi cada vez mais individual e distinto, não apenas no porte mas na escritura. Bioy escreveu a mais comovente história de amor da literatura em espanhol do século 20. Chama-se A Invenção de Morel e, embora alguns a chamem de romance, é uma novela ou conto longo e, para mim, é perfeita. É a melhor ilustração do conselho francês "cherchez la femme".

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