27.1.09

TRIGAL



Querido Vincent

Ontem à noite não dormi. Pior. Tive pesadelos de olhos abertos. Os corvos, o trigal, aquele céu tempestuoso, profundo, denso como uma geléia, e misterioso, sensualmente tenebroso, não me deixaram dormir. Os corvos vão ou vêm? Fogem do furacão turquesa de suas pinceladas ou são atraídos por ele, sugados para um mergulho sem volta que pode representar a redenção ou a morte? Note que o trigal geme, se contorce tangido por alguma coisa que não é o vento; deita seu amarelo ouro sobre si mesmo. Medo e desfalecimento apesar da alegria nervosa sob isto que o move que, como disse, nem brisa é. O cansaço dos homens que aí mourejam não se vê. Nem precisa. Seus rastros de sangue se espalham pelos caminhos que levam ao turbilhão azul, não sei se para sempre. Agora, ainda insone, te escrevo para dizer, não, na verdade para te perguntar: Como queres que eu venda algo que só daqui a cinquenta anos será visível? Como queres que comprem algo que comove e assusta? Querido irmão, as pessoas a quem eu mostro tua obra, afastam-se dela como se o azul de sua pinceladas fosse indecifrável, como se o amarelo dos talos robusto de seu trigal os agredisse, mas ao mesmo tempo em que se afastam, o fazem dando as costas para a tela, mas com a cabeça voltada para ele. Estou te mandando algum dinheiro para que pagues tuas despesas mais urgentes. Tentarei vender alguns dos teus quadros que tenho comigo. Quanto ao trigal, está aqui na minha frente. Não consigo desgrudar os olhos dele, e assim sei que vou passar muitas noites. Espero que tuas dores de cabeça passem comestes remédios que estou lhe mandando. Gauguin pretende lhe fazer uma visita. Quem sabe possas trabalhar aí por uns tempos. Uma companhia te faria bem, apesar de eu achar que, com o temperamento dos dois, logo se criará alguma rusga entre vocês.
Fico aqui olhando o Trigal, sabendo que não vou conseguir vende-lo tão cedo, e sabendo que enquanto não vendê-lo, vou ter muitas noites de insônia.

Do teu irmão,


Téo

Um comentário:

Anônimo disse...

Grande Geraldpo, feliz 2009. Um grande abraço.