9.9.08

FOLHETIM # 3


UMA HISTÓRIA DO CONTO – PARTE 3

Guillermo Cabrera Infante


Edgar Allan Poe inventou com três contos - "Os Crimes da Rua Morgue", "O Mistério de Marie Roget" e "A Carta Roubada" -, ele sozinho, a literatura policial, que são o conto e o romance de mistério. Todos os cultivadores do gênero recém-criado foram seus epígonos, de Arthur Conan Doyle, criador do insólito Sherlock Holmes, a Dashiell Hammett e Raymond Chandler, romancistas que foram também contistas e, de passagem, renovaram o gênero. Uma epígona (se alguém disse "jóvenas", eu posso muito bem dizer "epígona"), Agatha Christie, disse: "O conto é o domínio natural da literatura de crime e mistério". Muitos contistas, quase todos anglo-saxões, fizeram do conto seu habitat, que era como uma casa mal-assombrada. Todos seguiram o ditame de Poe, que disse que o conto "é uma narração curta em prosa" e definiu o conto breve como uma peça literária que "requer de meia hora a uma hora e meia ou duas de leitura". Eis aí um importante modo de usar, "com cuidado". Mas há - ah! - leitores descuidados. Para estes, a melhor maneira de ler é no avião - e um best-seller ou livro que se compra porque se vende.
Os herdeiros de Mark Twain são tão numerosos quanto os seguidores de Poe, mas os primeiros, que chamaremos aqui humoristas, atentaram apenas para o lado luminoso da lua de Twain -sem enxergar suas regiões de sombra e de penumbra. O mais bem-sucedido deles foi Damon Runyon, com suas historietas em que o submundo de Nova York aparecia povoado de gângsteres sentimentais, jogadores sementais e uma porção de mulheres de moralidade duvidosa e um (pouco) siso legível como sexo. O cinema e o teatro, onde ninguém lê, criaram um Runyon ilustrado para iletrados. Runyon, que fazia rir, ia ao banco sempre rindo.
Não foram só os contistas com humor que tiveram sucesso popular. A partir do século 19, houve também quem cultivasse - e fosse popular por algum tempo - essa estranha e elusiva planta chamada "conto fantástico". Na Inglaterra, onde se desperdiçara a tradição realista iniciada por Chaucer, houve muitos autores de fantasias cujo objetivo não era induzir o sonho, e sim o pesadelo. Lembro, entre outros, Arthur Machen, Saki e Roald Dahl.
Na Irlanda, terra de luzidas lendas nada lúcidas, Sheridan le Fanu foi um contista de mistério e terror cuja coleção In a Glass Darkly (em Dublin, cidade alcoólica, tomam o espelho, "glass", como copo, e o livro se chama "Em um Copo Escuro") é um dos clássicos do conto de terror como horror. Sua contrapartida foi mais tarde o norte-americano H.P. Lovecraft, um precursor da ficção científica, gênero praticamente inventado por H.G. Wells na Inglaterra. A ficção científica encontrou no conto sua forma perfeita para uma arte imperfeita. Vale registrar que todos os mestres do conto de horror anglo-saxão têm, também eles, em Poe seu antecessor primordial.
É preciso abrir aqui um parágrafo para Rudyard Kipling, talvez o maior contista inglês de todos os tempos. Kipling não fica nada a dever a Poe ou a Mark Twain, e é para a Inglaterra o que Maupassant foi para a França e Tchecov para a Rússia: um contista natural. Começou publicando em jornais indianos e, quando afinal foi a Londres, então o centro do universo literário, tinha apenas 20 anos (Kipling é quase nosso contemporâneo, morreu em 1936). Deixara para trás a Índia, embora fosse justamente seu lado muçulmano, mais do que o hindu, o que mais lhe interessava no subcontinente.


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