25.9.08

PROTOTEXTO # 3




Nome é uma tatuagem sonora colada à pessoa ao nascer. É útil quando a presença não é possível e a ausência não é aceita. Quando é escolhido e registrado, deseja-se que ele distinga um inexpressivo indivíduo dos demais, agregue-lhe uma qualidade que o nomeado deva ter. Há nome longo, curto, seco, úmido, insípido, voluptuoso, comum ou raro. Há, contudo, os preferidos. Aqui, todos, ou quase todos, chamam-se José, quando não sua abreviatura, Zé, ou seu diminutivo, Zezinho, ou o seu contrário, Zezão, mas todos José. Além de uma homenagem ao pai do Cristo, este nome serve para marcar aqueles cujo destino é o mourejar de sol a sol, sem as devidas recompensas de bóia farta e sono reparador.
Como todos se chamam José, José não distingue ninguém, daí surgirem os acrescentamentos: da Guia, de Ribamar, do Patrocínio, e tantos outros assim grifados para aqueles que fazem questão de ancestralidade e raízes; para os demais, há o comum trivial: Zé de Lica, Zé de Faustino, Zé de João de Otilia, e para os ciosos de sua linhagem, temos os Zé de Tereza de Zé de Joaquim, tendo-se sempre à mão e na lembrança que isto quer dizer, na verdade, José filho de Tereza, filha de José, filha de Joaquim, o mesmo valendo para qualquer outra seqüência de nomes que aparecem em pencas pelo mundo afora.
No meio desses zés-ninguém, temos Josés muito famosos, sendo o caso de José Lins do Rego, o de José Américo de Almeida, José Condé, José de Alencar; os Josués, de Castro e Montelo – que tiveram seus nomes atrapalhados por um U intrometido que caiu ali entre o S e o E sem que ninguém tivesse pedido -, Ledo Ivo que sem que se saiba por que não usa o seu José; Jorge Amado, com quem aconteceu a mesma coisa acontecida aos Josués, só que seu caso as palavras eram duas consoantes e não uma vogal; João Cabral, que de tão econômico nas palavras, terminou surrupiando o Zé que ali deveria haver fazendo companhia ao João; Graciliano Ramos, esse parece que tirou o Zé pelo mesmo motivo de João Cabral e mais uma dose de ranzinzice; Gilberto Freire parece que tirou o Zé por puro esnobismo; Castro Alves, esse de nome Antônio chegou a assegurar mais de uma vez que seu nome deveria ser José e não Antônio; com Gonçalves Dias aconteceu a mesma coisa; Já Ariano Suassuna, que não tem Zé no nome, disse e redisse inúmeras vezes que não lhe desgostaria ter um Zé apragatado antes de seu nome atual, já tão famoso. Esses são os bem conhecidos entre tantos de menor nomeada. Até um dos nossos maiores cronistas e o nosso mais conhecido versejador chamam-se José, sendo um Gonzaga Rodrigues, o outro Limeira.
Zé, metade das letras de José, um terço das letras de Joseph e Yussuf, um quarto das letras de Guiseppe. Apesar de maiores, nenhum desses nomes supera o nosso breve Zé. Quem não é José ou Zé, cobre o erro do padre na pia batismal, culpe a ignorância do escrevente do cartório ou veja se não há outro motivo a encobrir tal falta.
Mesmo agora, com o rádio e a televisão, com os informes do mundo e o conhecimento das culturas de outros povos, apesar da invasão de nomes estrangeiros, tudo indica que não jogamos a nossa identidade na lata do lixo: estão aí os Andersons, os Cleivsons, os Gleidsons, de feição e influência bretã; os Ronnie Vons, os Schumachers, dos arianos adeptos; os Michel e os Platinis, nomes franceses; todo nomes estranhos, não nossos, mas que terminam soando familiares quando pronunciados com um José antes, isto sem falar na familiaridade conseguida se ao invés do José for usado o abreviado e sonoro Zé que, querendo ou não os detratores dessa invasão cultural e onomástica, não deixa de soar simpático e ecumênico, se é que tal palavra cabe aqui.

Um comentário:

Anônimo disse...

Parabens pelo oportuno trabalho. É uma homenagem a tantos bons Zés que conhecemmos. Há tantos Zés, que quando não se sabe o nome de uma pessoa do sexo masculino, costuma-se apelar para a lei das probabilidades, chamando-a Seu Zé. A definição de "nome" é perfeita. Quanto à invasão de nomes estrangeiros, achoa-a lamentável. Eu mesmo, como professor, já dei aulas a diversos estadistas como Truman, Lindon Jonhson, Eisenhower, Kenedy, etc. Felizmente ainda não fui professor de Hitler nem de Bush.

Abraço

Coutinho